Páginas

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Amor, Tristeza e Morte. O Ser equívoco ilustrado no filme Insolação

“O mundo vai parecer menor do que nunca, o amor imenso”

“A vida passa tão rápido.
Eu vejo crianças tentando, se debatendo,
procurando por toda parte, 
olhando uns para os outros e perguntando:
é você? É você?”

"De onde você veio?
Três horas atrás eu nem sabia que você existia,
digo-lhe com toda sinceridade
que não sou a pessoa que talvez imagine que eu sou.
Nunca me aconteceu nada nem mesmo remotamente parecido com isso.
Como tudo o que é mundano e comum,
se torna terrível e selvagem
quando o coração é destruído por felicidade e amor em excesso.”

“Você gosta dela, não gosta?
Eu gosto de todo mundo.
No inicio”.

"O amor não é feito para sermos felizes
mas para nos sentirmos vivos"
(Trechos do trailer do filme 'Insolação')

Há um longa-metragem brasileiro analisado no site do cinegnose chamado Insolação qual chama a atenção pela sua linguagem cifrada. Pelo mesmo ter certa imoralidade, não recomendo. Sua mensagem é difícil de entender pois há um véu de diálogos e cenas estranhas que desejo decifrar considerando o ponto de vista da ontologia humana. Não estudei o diretor, nem o roteirista, nem nada do tipo que compõe a literatura, porém darei foco no tema do amor e da tristeza que a obra conta.

O filme retrata uma Brasília desértica com monumentos gigantes de concretos e pessoas perambulando em um dia sem fim, a história faz questão de conter apenas os atores em ambientes realmente abandonados da cidade. O sol esconde a frieza da cidade nos diz o protagonista e a paixão do amor é fisiologicamente confundida com uma febril insolação.

O amor é tratado junto com a frustração, todos os relacionamentos são problemáticos e cada personagem parece buscar uma estabilidade inalcançável no outro fazendo com que o 'você' seja uma palavra-chave para se entender a trama.

O protagonista nos pede para confiar no mistério do amor e da tristeza e que nos mostra estarmos morrendo, eis portanto uma tríade: Amor, Tristeza e Morte... Nos critério dos apetites sensíveis e visto como doença da alma, o que nos parece mais razoável?


As paixões do amor e da tristeza da alma sobre o bem efêmero.

O amor e a tristeza são umas das 11 paixões da alma. O amor é a mais importante, pertence ao tipo concupiscível, faz par com o ódio e está voltado à adesão ao bem apreendido, isto é, conforme nos é apresentado pela inteligência. O amor é portanto imanente e relacional, está no sujeito que apreende um bem conhecido, temos assim sujeito e bem, isto é, objeto. Aqui há certa fisiologia da nossa constituição e convém ressaltar que neutra, o amor nos adere ao bem apresentado de qualquer modo podendo ser moralmente bom ou mau a depender de como a inteligência apresenta e nossa vontade o quer.

O Bem propriamente é Deus, todo amor portanto é verdadeiro e bom se o Bem apreendido remete a este princípio. Este princípio, Deus é igual O Bem, é propriamente O Ser que garante nossa existência tal como o Sol garante o raio de luz. O amor como nossa adesão ao Bem (maiúsculo) é propriamente o vínculo que nos une ao Ser, disto decorre que não queremos a morte por amar a própria existência, isto é, ser (minúsculo, por participação) em ato. Aqui então é correta a ideia do amor como aquilo que nos faz sentirmos vivos, pois Deus, Verdade e Bem, é propriamente o autor da vida e a própria vida. Quando repousamos sobre esse Bem temos a paixão da alegria, mas se feito plenamente, temos a Bem-aventurança.

Qualquer adesão à apreensão d'O Bem se da na adesão análoga sobre bens menores, isto é, pois remetem a um mesmo princípio, ao mesmo Verbo criador. Fundamentar-se no Bem, qualquer que seja, é possível de ontologicamente estável se o mesmo se remete ao sumo Bem que é O Ser.

Agora vem a questão da frustração do amor: o Bem mal apresentado e mal considerado é uma adesão ao efêmero, à luz e ao calor sem o Sol. Aqui o bem vacilante, que se torna mal pelo defeito da não transcendência, é também fonte de tristeza pois não há repouso no Ser, não há repouso na Verdade, mas sim um repouso no ilusório, um repouso no falso, algo tipicamente moderno pois se se dá aos fenômenos que nunca são transcendidos.

Ama-se um fenômeno, um bem menor que não transcende, que leva a devoção propriamente idolátrica e deste modo "como tudo o que é mundano e comum, se torna terrível e selvagem quando o coração é destruído por felicidade e amor em excesso".

Os três modos de participar do Ser.

Há três modos de participar de algo: Análogo, Unívoco e Equívoco.

A participação suprema é a nossa participação d'O Ser, esta dará sustentação metafísica à própria existência, o que se chama ontologia (por fim será "o sentido da vida"), e dela se tira as consequência em toda ação humana pois essas três posturas serão os princípios dos princípios do pensamento.

Na postura análoga, o Ser tem um Verbo, ou a mente de Deus, e este Verbo é o princípio de tudo que existe, sendo Deus, o Mundo e o Eu claramente distintos, tal como uma obra é distinta do autor sem deixarem de remeter ao mesmo princípio pensante, o verbo do autor. Claramente isto coincide com o primeiro capítulo do Evangelho de São João e a postura tomista.

Na postura unívoca, Deus e a existência são uma coisa só: Deus é igual ao Mundo e igual ao Eu. O Ser é igual a existência como um todo, um pan, que dará o nome de panteísmo e base ao materialismo.

Na postura equívoca, a existência propriamente é uma ilusão e uma inconsistência que nos prende em ordem lógica, neste chega-se que existir é uma loucura em um fluxo de perenes mudanças. Aqui o Ser e a existência são desconexos, Deus, o Mundo e o Eu são absolutamente distintos não havendo Verbo, nem consistência ontológica. Considero que o filme coloca seus personagens neste modo, pois qualquer tentativa de estabilidade se dá no outro e este outro é incapaz lhe dar sustentação: no momento que se ama o bem, ele vacila, e o personagem cai na tristeza ou no repouso sobre o mal.

A vida seria portanto um torpor de quase morte sob o sol quente numa maré viciada de amores e frustrações tendo seu último repouso na morte.

O Ser Equívoco e a alteração da consciência.

O filme Insolação ilustra o amor como adesão ao Bem apresentado como equívoco. Todo bem posto como fundamento d'O Ser é liso e acaba em frustração e vazio. Segundo consta em algumas fontes o longa-metragem é uma adaptação da literatura russa de Tchecov, Turgeniev e Pushkin, dos quais desconheço, porém todos do século XIX, época que a mentalidade teosófica e eslavófila estava dominando o clima intelectual russo.

Quanto ao tema do outro no pensamento moderno, de modo especial temos o rabino Martin Buber que dá muita ênfase no Eu-Tu e Eu-Isso onde Deus se manisfesta no entremeio. Aqui temos por princípio secreto o agnosticismo modernista do Deus distante e que nunca podemos conhecer, mas que porém se manisfesta no mundo pela ação humana. Considerando o modo equívoco do Ser e sua postura gêmea, o modo unívoco, não teremos jamais a capacidade de transcender os bens existentes numa verdadeira metafísica e tampouco estaremos aptos a revelação externa.

Outros autores merecem ser estudados nessa questão do outro e na transcendência do fenômeno, porém não cabe neste ensaio.

Cabe aqui mostrar que a postura de participação do Ser não analógica altera a consciência do homem numa ausência de causa final. No modo unívoco o bem é sempre minúsculo e sem transcendência, no modo equívoco o bem é sempre instável. Que nos preserve a ordem natural a clareza do Verbo do Ser, que um dia se fez carne, e habitou entre nós, mas isso é outra história.

Mateus R. C. de Paula.

Nenhum comentário:

Postar um comentário