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terça-feira, 20 de agosto de 2013

Circuito dos Clássicos na UFBA: A Concepção de Herói Épico na Ilíada de Homero.

Aquiles e Pátroclo, camaradas de guerras troianas.
Ilíada de Homero.
Dia 17 de agosto de 2013 meus amigos e eu assistimos a uma aula do "Circuito dos Clássicos" com o tema "A concepção de herói épico" na Ilíada de Homero. Os exemplos dados foram das cenas heroicas à morte de Pátroclo, amigo de Aquiles, que toma o canto XVI da obra. A palestra foi no campus da UFBA de Ondina, o convite e a promoção foram feitos pelo Padre Gilson Magno, professor de latim da instituição, o ministrante foi o prof. Júlio Lopes Rego, formado em letras e também professor da instituição. A próxima aula do circuito será dia 19 de outubro sobre "prazer e virtude segundo Aristóteles" com a profª Juliana Ortegosa Aggio.   

Para quem apenas viu o título "Ilíada" nas prateleiras de livrarias não esperava nada específico, com o decorrer fui me localizando sobre o que fala a obra, é fantástica. Foi uma introdução a obra dividida em duas partes: 
I - Matéria e forma do épico clássico.
II-Teorias que interpretam Homero, ênfase na "Teoria Oral" de Milman Parry (1902-1935).

Um handout (páginas que acompanham a aula) foi nos entregue, neste tinha 9 páginas com trechos em grego e português de obras épicas além da Ilíada como a Odisseia e a Teogonia de Hesíodo. Neste post buscarei passar as principais anotações que fiz desta interessante exposição, talvez cometa alguns equívocos e acabe parafraseando de memória.

I Parte
Matéria e forma do épico clássico.
Heróis da Iliada.

A Ilíada é parte do Ciclo Troiano onde há relatos heróicos de assédio à cidade de Tróia,  no mesmo ciclo encontram-se os Poemas e a Odisseia, todas de Homero. A matéria da Ilíada será em torno de um episódio: a cólera de Aquiles.

São duas as cóleras do herói, uma no início motivada por desavença com seu comandante Agamenon e a outra com a morte de seu amigo Pátroclo por Hector de Troia que ofusca a primeira.
Do canto I ao XIX não ha Aquiles na Iliada, há sim a glória e a morte de Pátroclo que encoleriza Aquiles qual retorna para vingar-se de Hector.
No canto XXII Aquiles o "mata várias vezes" mutilando seu corpo já sem vida.
Os épicos possuem uma grande compreensão da mortalidade da condição humana.

Para localizar do que se trata, Ilíada pelo Houaiss temos:
"Qualquer narrativa ou relato que envolva combates e feitos heroicos".
Na palestra houve um pouco mais de profundidade analisando as palavras gregas "erga" e "klea" que aparecem como matéria do poema épico, no caso pode-se traduzir por façanhas.
Penelope briga com Fêmio por cantar as ergas que a entristecem;
Aquiles briga com Agamenon, ele então se afasta e fica em uma tenda cantando aos amigos kleas de heróis.

Façanhas como "erga" ou "klea".
"Erga" é dado como trabalho ou processo, também como produto do trabalho e resultado. Buscando-se no proto indo-europeu da-se na mesma raiz de work no inglês, werk no alemão.
Um aedos
canta os boatos das musas.
"Klea" é dado como glória ou fama, mas também como conversa, boato ou pejorativamente como fofoca.
A Ilíada seria o caminho de um kleos escolhido pelo aedos, um boato que a musa conta.

Os aedos são os que cantam as glórias (klea) dos heróis, uma espécie de bardo que entoa em uma lira. Toma a autoridade das musas, divindades que lhes dá credibilidade, ele canta os boatos das musas.
Ele sempre segue alguns caminhos padrões como cólera, desavença, captura de cidade ou assédio, retorno para cantar as glórias.
Kléa é a matéria e o épico preserva a memória (talvez forma, deduzo).
A poesia era vista como glória e como transmissão da ideia de excelência como será visto adiante na aristéia.

Um panorama mais amplo foi nos passado e percebi a extensão das mitologias gregas em um todo.
No estudo dos clássicos gregos observa-se que o continuo mitopoético se divide em três fases:
I - Cosmogonia onde os deuses brigam pelo cosmos até estabilizar Zeus como soberano.
II - O passado remoto dos homens onde os deuses se contatam com mulheres que geram os heróis.
III - O passado recente dos homens e o presente sobre a condição dos mortais, os deuses e heróis não andam entre os homens.

A primeira fase contém duas obras:
- A Teogonia ou Poemas de Hesíodo onde os deuses nascem, disputam o poder do cosmos até Zeus preponderam
- Hinos Homéricos onde se contém poemas a diversas divindades, formação de cultos, esferas de ação, e últimos ajustes na ordem do cosmos.

A segunda fase contém cinco obras:
- O Catálogo das Mulheres de Hesíodo onde os deuses produzem os heróis.
- Os Poemas do Ciclo Tebano sobre Hérecles e Teseu no qual há apenas fragmentos e paráfrases sobre a casa real tebana.
- A Ilíada de Homero do Ciclo Troiano com matéria na cólera de Aquiles.
- Poemas do Ciclo Troiano de Homero sobre a guerra de Troia que narra fatos em torno da Iliada.
- A Odisseia de Homero onde o mundo de Iliada já não é o mesmo contando sobre o último herois dos Aqueus a voltar para casa.

A terceira fase contém uma obra:
- Os Trabalhos e os Dias de Hesíodo onde descreve a condição dos mortais, suas necessidades e limitações. O foco, organizado segundo as estações do ano, vai nos trabalhos agrícolas. Os deuses não andam mais entre os homens. Os heróis desaparecem.

Milman Parry (1902-35)
II - Parte
A tradição oral de Milman Parry (1902-1935).
Teoria recente que renova as análises das obras homéricas.
O nome deste estudioso me era desconhecido e passei a conhecê-lo após a aula, surgiu-me então um novo horizonte de conhecimento, a das tradições orais e da diferenciação entre linguagem falada e escrita.

Antigamente eram duas escolas que interpretavam Homero:
- Os Unitaristas que dizem ser Homero um homem.
- Os Analistas que dizem ser Homero uma aristocracia ou várias pessoas.

Milman levantou que as obras épicas são transliterações de tradições orais cantadas entre gerações, são memórias cantadas por tradições de poetas épicos.
A princípio ele percebeu que haviam muitas expressões repetidas e essas estavam em uma frequência padrão distribuídas na obra tais como "Atenas de olhos verdes" ou "Aquiles de pés velozes". Ele percebeu que havia uma complexidade que não se podia atribuir a um homem, mas a uma tradição oral.

Ele era norte-americano e professor na Harvard, mas com estudos pela Sorbonne onde conheceu um estudioso da língua iugoslava chamado Antoine Meillet que estudava os poetas de tradição oral desta língua. Fez duas viagens para a Iugoslávia onde estudou e gravou poesia tradicional oral em servo-croata. Milman percebeu que ao comparar a tradição oral iugoslava e a escrita homérica se tinha o mesmo sistema, algo portador de uma verdade vital para o bem-estar da sociedade, dada a importância da educação transportada pela poesia especialmente em lugares onde havia analfabetismo que possuía a expressão mais pura da arte. As obras homéricas em algum momento foram escritas para registrar o que era apenas tradição oral, penso que o mesmo tenha ocorrido com livros do Antigo Testamento. Alguns observações que faço aqui foram pesquisas pessoais.

O modo de construir o poema oral tomava de uma sonoridade declamada junto ao instrumento de acompanhamento (arpa, gusla, lira) e isso equivalia a uma palavra mesmo que na escrita fosse mais, essa era uma "unidade básica de expressão" tais como "Mustajbeg de Lika bebia vinho".
A linguagem escrita é vista como diferente da falada logo tendo tratamento diferenciados na composição oral.
A Iliada, e não só, possui várias cenas típicas como o herói se santa, o navio que parte etc., essas são unidades básicas de expressão que articulam a sonoridade.

Conforme o domínio da arte que o aedos possuía ele prosseguia em um "padrão de enredo".
Esse padrão de enredo em Homero possui várias "cenas padrões". Uma aristeia por exemplo é um conjunto de cenas consagradas como transmissoras da excelência do guerreiro. Uma agathos como da bondade.
Essas repetições estruturais sempre geram uma tensão no espectador pois o canto deve seguir essa estrutura. Quanto mais habilidoso é o poeta melhor ele manipula os elementos dentro da estrutura.

Uma aristeia que deriva do aretê se consagra pelas seguintes cenas:
I - O armamento do herói (o costume se mantém vários filmes até hoje).
II - O herói altera a configuração do combate, ele tem peso, faz a diferença.
III - Os inimigos entram em fuga.
IV - O herói sofre um ferimento.
V - Duro combate ao redor do cadáver do inimigo e morte do herói.
(Este última cena não me lembro se é isso mesmo, mas pela estrutura da aristeia de Pátroclo, parece que sim)

Para finalizar uma análise de Pátroclo
Pátroclo luta pelos Aqueus e toma os armamentos de Aquiles para o combate.
Seus oponente troianos são Protesilau, Trasímolo escudeiro de Sarpédon, Sarpédon monarca, o deus Apolo, Febo Apolo, Euforbo iniciante e Hector.

Canto VIII: 469-76
Zeus diz o futuro, conta o que ocorrerá a Pátroclo.
Uma espécie de "spoiler".

Canto XVI.
Cena I - Armamento: 130 a 154
Ordem: caneleiras de fivelas de prata, couraça magnífica no peito, espada de bronze com cravos de prata sob os ombros, escudo maciço de largos contornos, elmo de penacho de crina ondulante e prepara os fogoso cavalos.
Nesta demonstra uma limitação trágica:
- A armadura usada é de seu amigo Aquiles, mas não brilha como nas outras cenas similares.
- A lança de Aquiles lhe é muito pesada.
- Um cavalo mortal guiará os dois cavalos imortais.

Cena II - Reconfiguração de combate: 284ss.
Pátroclo arremessa uma haste e atinge Protesilau.
Os inimigos se desesperam pela morte de seu herói e fogem em confusão.
Os cavalos imortais e margníficos avançam.

Cena III - Os inimigos entram em fuga.
O herói busca por Héctor.
Zeus intervém com grande tempestade
Na fuga os rios engrossam, os montes se solapam e os homens se precipitam no mar.
Por força de Pátroclo outros fogem para a cidade.

Cena IV - O herói sofre um ferimento
(Aqui o espectador acostumado com a estrutura espera que o herói se fira.)
Pátroclo arremessa a lança em Trasímelo escudeiro do monarca Sarpédon, este fica sem força nos membros.
Um lança de Sarpédon é arremessada em Pátroclo, mas desvia e o cavalo mortal é ferido.
Mais uma lança de Sarpedon é esquivada resvalando no ombro esquerdo de Pátroclo.
(Há um ferimento do cavalo, talvez uma transferência do autor que é hábil na composição.)
Pátroclo está em fúria, mata Sarpedon no coração, sobe-lhe a empolgação (ou uma soberba), é visto como demente, irritado, uma fera terrível.
(Por vezes esse estado é visto como quase deus, porém tal empolgação lhe faz agir irracionalmente, tem um outro herói que nesse estado, não anotei o nome, que após vitórias espetaculares é pego comendo o cérebro do inimigo)

Cena V -  Duro combate ao redor do cadáver.
Lutas se dão em torno do cadáver de Sarpédon.
Pátroclo em fúria tenta escalar as muralhas de Troia, ele não se reconhece mais como mortal.
Apolo o impede alertando que é mortal. Pátroclo recua.
Febo Apolo escondido entre os demais (chusma) vai contra Pátroclo que não o percebe.
Pátroclo recebe um golpe e tem o capacete removido.
Hector toma o capacete para si e o põe na cabeça.
A lança de Pátroclo se quebra.
O escudo cai.
Febo Apolo lhe tira a couraça do peito.
Pátroclo encara o entendimento e fica sem forças.
Pátroclo é atingido por Euforbo um guerreiro iniciante.
(enfim ferido)
Pátroclo tenta recuar as linhas amigas.
Hector o percebe tentando salvar-se e lhe enterra uma lança no baixo ventre que resvala do outro lado.
Pátroclo tomba e morre e Héctor sai vitorioso.

Essa é a hora e a vez de Pátroclo, como dito, Aquiles ficará encolerizado por seu amigo e o vingará.
A história está consagrada nos clássicos.

Concluindo vale uma nota de minha parte sobre a formação dos jovens e símbolos que as cenas contém que por sua vez acabam tocando nossa alma nos transmitindo alguns valores. Quando escutei a primeira vez que Homero era uma aristocracia logo deduzi um propósito educativo genérico e muito bem intencionado às virtudes dos jovens. Esta postagem é apenas um recorte sobre algo grego, ainda pretendo entender a Odisseia e suas lições além do método da Paideia que era usado na educação das crianças, no caso pretendo uma análise da obra de Werner Jaeger.
Aqui finaliza as anotações com algumas pesquisas.

Obrigado.
Salve Maria.

Mateus R. C. de Paula.

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