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segunda-feira, 18 de março de 2013

Paixão e Drogas.

O amor cortes em Tristão e Isolda,
no século XII, desenrola-se hoje
no consumo de drogas.
Ensaio inspirado pela leitura de trechos de 'O Amor e o Ocidente'  de Denis de Rougemont. (Em desenvolvimento).

"Ele não me ama, nem eu a ele
Foi um filtro que bebi"
(Isolda)

Pelas ruas do centro de São Paulo e Salvador ha dezenas de incômodos pedintes de um 'cafezinho'. Homens caricatos que só querem saber de 'pedra mágica', pasta de cocaína e bicarbonato, nos assombram com seu ócio, sua imundice e seu desespero.

São homens de alguma história, compartilham a essência humana, corpo e alma, imagem e semelhança de Deus; ver uma caricatura de Deus é o que demônio deseja então faz misérias da sua imagem, nós humanos, e mais, pelo nome do amor, que por força destrói.

É bom querer o bem dessas almas. Não confundamos então Caridade por filantropia, nem o amar a Deus pelo amar a si próprio. A Caridade exige que o outro se salve, por amor a Deus, e filantropia que o homem goze a vida, por amor a si próprio. A Caridade por sua vez exige violências necessárias, enquanto a filantropia, tomada em contexto liberal, exige que um mundo do Walt Disney seja erigido, ora por que não deixá-los a ver fadas e gnomos?

Essa questão da população cracolandense apenas evoca o tema desse ensaio. Recentemente tivemos o caso do roqueiro Cheirão (digo, Chorão), que morreu também da overdose de cocaína. Logo evocaremos um mundo de 'artistas' que igualmente afundaram nas poções mágicas: Elvis, Winehouse, Cazuza, Jackson, Marley, Monroe, Beatles, Fred Mercury, Renato Russo, Morrison, Eller, etc.

Aqui são apresentados então uma elite de sucesso no fracasso e uma massa falida de almas urbanas. Que tem eles que ver? Lembro aqui duma referência fresca que o sociólogo Bauman chama de 'escoamento' na página 104 do Modernidade Líquida, comentarei a diante.

Não pretendo me alongar em paixões que daria um bom estudo de S.Tomás e psicologia, mas bem notamos que são os efeitos colaterais das drogas que são os mais discutidos como dependência,  paranoia, apatia, pressão alta, problemas cardíacos, perda dos dentes, unha grossa, mau hálito, mendicância até a morte por overdose. Ninguém toca na droga das músicas, nas paixões exaltadas que encerram o homem a um destino trágico.
Euforia, bem-estar, desinibição,
excitação, hiperatividade.
Depressão e morte, romântico!

Ninguém toca na droga do amor eros vulgarizado pela mídia, no amor do amor, na paixão intocável.

Como a paixão acaba na morte das drogas?

Alguns dizem o jargão 'nada a ver!'.
Talvez uma reação espontânea e simbólica para encobrir os mistérios da paixão adorada. 'Nada a ver'! Lança-se o véu para nada ver. 

Denis de Rougemont, um autor herói, analisou o amor, racionalizou e profanou-o.

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De volta ao caso do roqueiro, pelo Youtube vemos a abordagem apaixonada que a Rede Globo tratou do tema sem tratar de crime algum, coitado. As "músicas" são 'belas recordações', o amor dos dois era lindo, 20 anos sem filhos, mas convivendo com eles um extraconjugal, ele usava droga e tinha ansiedade, mas isso era um hiato, morreu de amor pois brigou com ela! Papo furado. Na verdade, eles não se amam mutuamente, são resquícios das poesias viciadas. Na verdade são individualistas, solipsistas, narcisistas, só amam a si próprios. Ela como amante não lhe fornecia mais o mesmo que a droga era capaz, não compartilhavam mais a mesma ilusão das paixões.

Skates são péssimos veículos,
só fazem sentido pela euforia que causam.
Ilusão. Notável o fato dele ter 40anos e agir como se tivesse 15; isso não tem nada a ver com a Neverland de Michael Jackson que também usava drogas e tinha um modo de vida estranhíssimo? Ambos buscavam uma ilusão, uma razão de viver no passado-paraíso como no simbolismo Belle Epoque, como nos 'meus 8 anos' de Casimiro de Abreu, ambos buscam fugir da realidade da sua vida de compromissos adultos com Deus, fugir da velhice, para submergir na fantasia nostálgica e mágica. Para o roqueiro tupiniquim o fetiche do skate também o entorpecia em nostalgia, 'o que importa é viver do skate' gritava ele numa de suas canções e tatuou isso no braço, imagine! Um 'tiozão' no meio da molecada. Contaminou muitos jovens com sua pusilanimidade e seu desejo impositivo.

A ilusão é o que acham ser real e justo, o que é real desprezam como sendo falso ou injusto, burguês, coisa de otário etc, uma gnose chula. A primeira tentação da serpente a Eva também é essa, se comerdes o fruto da árvore do conhecimento sereis como deuses, narcisismo puro. Eu e eu era uma exaltação constante das canções, o que importa não é ela de fato, mas o que causa em mim, depois a descarta, cada troca de faixa é um descarte de amante, ou da paixão.

Adicionando uma referência ao que Aristóteles ensinava, conforme livro de M. Adler, a principal diferença entre o adulto e a criança é a capacidade de planejar a vida. O adulto enquanto tal é sério e a criança é inversamente brincalhona. Desde a antiguidade o adulto brincalhão, no sentido de que só vivem para prazer e gozo, merece censuras por gastar tempo e energia demais em diversões e de fato, não é realmente um adulto, faltam-lhes um plano de vida coerente e necessariamente um desvio a bens menores e perda da verdadeira felicidade. A vida assim é uma bagunça.

A causa do amor passional é uma terceira coisa. Em Tristão e Isolda é um filtro, uma poção mágica, que fazem os dois arderem um pelo outro, mas não são eles que se amam, 'foi um filtro que bebi' diz Isolda, quando o filtro acaba seu efeito Tristão e Isolda reais não se amam, mas apenas os efeitos do amor é que amam, amor do amor. Amam os efeitos sensíveis dos apaixonados, os artistas se drogam, a subcultura escoa para os menores, o povo deriva o que vem da elite, a miséria da vida, a realidade má, deve ser lidada com fugas fantásticas, como fez Elvis, Monroe, Cazuza etc. Os felizes por infelicidade, os grandes sucessos do fracasso viram modelo, seja como os roqueiros.

Estoicismo e resignação da cruz também são loucura aos neopagãos e por rebeldia foram tais termos esquecidos gerações atrás, hoje as novas gerações nem conhecem esses caminhos da cristandade ou ds antiguidade greco-romana. Hoje os parvos momentos felizes de nossas vidas devem ser eternizados, o presente deve ser fixado e toda noção de tempo que se passa deve ser anulada, deve se buscar o estado de consciência alterado, ver o mundo como ele não é, não só com os entorpecentes usados mas ficções em geral. Não devemos pensar de modo mecanicista, evidente, cada caráter se articula nas paixões de um certo modo,  são dez tipos de paixões conforme tratados de filosofia, cada pessoa se inclina mais a umas que outras, e se elas não forem bem domadas qualquer sedução, sejam drogas, sejam jogos, sejam mulheres, sejam esportes hipnotizam ao ponto de não se querer o realismo bem tratados de aristotélico-tomista para se desejar qualquer ideologia passional que mais nos convém. Ao fundo a voz da sereia nos embala, sereis como deuses, como deuses, narcisismo puro, nos jogamos no lago e como miseráveis de verdade expiremos, et pulveris reverteris.

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Algumas obras a análise:
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ROUGEMONT, Denis. O Amor e o Ocidente, Ed. Guanabara, 1988, p324:


Paixão e Drogas.

A mais freqüente causa da alergia é o contato com certas substâncias ou sua ingestão.

A paixão nasce em geral pelo simples encontro de dois seres. No caso de Tristão e Isolda, isso também acontece, segundo Thomas; entretanto, segundo Béroul,  é  o  filtro  que  desencadeia  tudo,  depois  de  vários  encontros  sem conseqüência (até mesmo a cena do banho, tão carregada de erotismo).

(39 Ver a propósito, em meu Amour III (em preparação), o capítulo sobre "a Mulher sonhada".)

E ainda  segundo  Béroul,  o  filtro  não  apenas  vem  do  exterior  e  por acidente, como também seu efeito é limitado "a três anos de amizade".

Béroul acompanha de muito perto "o histórico" (como dizem os médicos) dessa intoxicação caracterizada,(40) cuja origem atribui expressamente à falta dos amantes. Lembremos aqui a dupla confissão que ele coloca em seus lábios:

Tristão:

Se ela me ama, é pelo veneno. Não posso dela separar-me. Nem ela de mim...

E Isolda:

Ele não me ama, nem eu a ele
Foi um filtro que bebi
E ele bebeu: esse foi o pecado.

O procedimento de Béroul, que volta em suma a isolar a paixão lendária, permite acompanhar melhor sua dialética própria. Reencontra-se aí o ritmo do provérbio um peu, beau-coup, passionnément, pas du tout (um pouco, muito; apaixonadamente, de modo algum), que lembra que a paixão destrói seu objeto. Seu ardor, no início delicioso, que se chama o estado amoroso, é apenas sua forma velada — un peu, beaucoup —, que se liga ao desejo, dele se faz cúmplice e na maioria das vezes desaparece, uma vez satisfeito seu ardor. Mas a paixão declarada, triunfante, arde enquanto o filtro age e subitamente cai no pas du tout do refrão. Como se seu ardor consumisse a imagem de um ser amado no sonho da droga ("se ela me ama, é por causa do veneno"...), e no instante em que se encontra diante da Isolda real, o amante percebe que não foi a ela que amou.

Conhecemos o papel das viagens marítimas nas lendas célticas. Há quatro no romance de Béroul e cada uma delas se refere a uma história de "veneno", como narra o Romance em prosa. Ferido pela espada envenenada do gigante Morholt, a quem matara, e sem esperança de sobreviver, Tristão parte ao léu numa  barca  sem  vela  nem  remos,  levando  a  espada  e  a  harpa.  O  episódio termina na Irlanda, onde Isolda o cura. A segunda viagem, em busca da noiva de Marcos, é aproximadamente uma repetição da primeira. A terceira assemelha-se mais ao que os jovens americanos chamam de voyage: e o regresso com Isolda, a cena do filtro, "o veneno" bebido. A última é a de Isolda navegando ao encontro de seu amante a fim de tentar curá-lo de novo ferimento envenenado, mas desta vez ela só o encontrará na morte.

(40  Qual poderia ser a droga no século XII? Provavelmente a cravagem de centeio, cujos efeitos são parecidos com os do LSD, certamente mais afrodisíacos.)

No encontro dessas viagens, verifica-se uma estranha dificuldade. Por ocasião dos três ferimentos ligados a navegações solitárias, Isolda intervém para curar Tristão dos efeitos do veneno e depois separam-se novamente. Mas, quando bebem, juntos o mesmo filtro, eles fazem a mesma "viagem" ou será uma ilusão? Será certamente uma ilusão aos olhos de quem está acordado, convencido de que os que sonham não podem comunicar-se e que não há passagem do sonho de um para o sonho do outro. Mas se os dois amantes participam dessa ilusão, acaso não se torna ela a verdade de sua paixão? O leitor poderá  certamente  acusá-los  por  sua  ilusão  de  realidade,  sem  atingi-los  em nada: enquanto o filtro age e mantém a amizade, eles vivem a realidade de sua mútua ilusão.

Mas  a  analogia  com  a  droga  acentua  exatamente  o  caráter invencivelmente solipsista, narcisista e segregativo da paixão. Aqueles que "viajam" estão sempre solitários. Sua paixão não atinge a realidade do outro e de fato ele apenas ama sua própria imagem. E é por isso que o casamento não pode basear-se nela.

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