A multi-estabilidade/ Várias hermenêuticas. |
"Hæc Ecclesia, in hoc mundo ut societas constituta et ordinata,
subsistit in Ecclesia catholica,..."
O polêmico "subsistit in" no lugar de "est". A carta coringa tradicional e progressista. |
Como bem estudamos na Pascendi de S.Pio X, o Sumo Pontífice nos ancora em sã doutrina tomista e denuncia os erros dos modernistas especialmente quanto à importância que eles dão à experiência. Em suma: o Agnosticismo induz à negação da ontologia (da transcendência do fenômeno, do Ser) nos dizendo que apenas podemos conhecer fenômenos, esses fenômenos seriam possíveis de conhecer pela experiência pessoal que, tendo cada um uma diversa, cada interpretação seria válida e nunca errada, nossa inteligência atuaria em ler o sentimento produzido jamais se voltando ao ser real. Sendo assim a imagem gestalt nos produz dois ou mais fenômenos não sendo ser nenhum, nem cálice, nem povo, apenas experiência, o "documento gestáltico" seria idêntico, dependeria da intenção de cada indivíduo:
"...todas as interpretações de um texto resultam da consciência pessoal do leitor e não simplesmente do texto tal qual ele aparece. Gadamer ainda admite que seja possível uma certa aproximação da verdade do ser, não se conseguindo, porém, jamais alcançar o real e sua verdade ontológica plenamente... Portanto são fruto de sua experiência" (texto completo no fim do ensaio).
A intenção, termo chave na hermenêutica moderna, faria com que aquele "texto gestalt" tomasse a forma desejada pelo leitor, quase um ato de adoração ao indivíduo onde a natureza do texto se dobra a "minha vontade".
Lembro aqui de termos conciliares que são no mínimo estranhos tais como "subsistit in" da Lumen Gentium, o "germe divino" ("divinum quoddam semen") da Gaudium et spes e o enigmático "a Igreja é em Cristo como que o sacramento ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo gênero humano" também da Lumen Gentium.
Na definição clássica de "a Igreja de Cristo é a Igreja Católica", no lugar de est, utilizou-se o "susbsistit in" que pivotou um "texto gestalt" do qual se entende um ortodoxo e redundante "É", como também um implícito e heterodoxo "mas também existem outras e qualquer igreja salva" tal como o padre "Joãozinho" levantou em polêmica no site Montfort em 2009.
A proclamação do "germe divino" presente em todo homem no 3 da Gaudium et spes ("divinum quoddam semen"), no qual se leva de cara um susto pelo sabor gnóstico e cabalístico que tem, é outro pivô de texto gestáltico que, por exemplo, pediu cinco minutos de explicação do padre Paulo Ricardo para dar uma interpretação razoável e católica ao que é nitidamente usado pelos gnósticos.
Esse busto é como que um casal na rua molhada com um cachorro deitado... |
Como é possível de se notar até pelas palavras do padre Paulo Ricardo, é mentalidade padrão a aceitação e uso da hermenêutica moderna de Gadamer, não ha uma atenção aos danos da dubialidade em si, mas sim no teatro entre tradicionalistas e progressistas, onde cada um usa uma hermenêutica própria no drama e, na última cena, talvez conclua com um diálogo que no máximo se aproxima da realidade.
É também notável que temos uma contradição na questão de que todas as interpretações conforme os fenômenos da consciência são válidas uma vez que o Papa pede coerência à "hermenêutica da continuidade" condenando implicitamente as outras hermenêuticas. Todo o esquema "ecumênico gestaltístico" estaria condenado por ter de ser interpretado apenas do modo católico - ignore o povo e veja o cálice apenas -, isso fez de Bento XVI um bom Papa, apesar de a ilusão de óptica permanecer lá.
Mão-pomba-violão. Entidade que possui o caráter modernista em sua essência. |
São Tomás, rogai por nós, intensamente.
Mateus R. C. de Paula.
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Trecho da obra do prof. Fedeli (online aqui):
...
14 – A nova hermenêutica de: Hans Georg Gadamer
(1900-2002)
Hans Georg Gadamer |
Por isso
diz Tomás Melendo:
“Interessa
insistir em que tudo isso se soma à crise de racionalidade que examinávamos
antes entre os epistemólogos de nosso século. Por que? Porque também a pós
modernidade débil implica sobretudo na anulação absoluta do sentido da verdade
e de qualquer racionalidade possível. Como queria Nietzsche, tudo é falso:
"simplesmente, já não existe razão alguma para imaginar um mundo
verdadeiro" [Nota 206: M. HEIDEGGER, Nietzsche, ed. francesa cit., vol. II, p. 51. Apud T. Melendo, op.
cit., p. 89).
A
hermenêutica contemporânea de Hans-Georg Gadamer autor do livro Verdade e Método (Wahrheit und
Methode) opõe-se a E. D. Hirsch (Validity in Interpretation) defendendo a tese
de que o sentido de um
texto objetivamente não corresponde à intenção de quem o redigiu, visto que
cada leitor se une inseparavelmente ao texto que lê. Desse modo, todas
as interpretações de um texto resultam da consciência pessoal do leitor e não
simplesmente do texto tal qual ele aparece Gadamer ainda admite que seja
possível uma certa aproximação da verdade do ser, não se conseguindo, porém,
jamais alcançar o real e sua verdade ontológica plenamente.
Que se nos
perdoe a longa citação abaixo de Tomás Melendo, que colocamos aqui, pela
clareza de sua exposição:
“Assim o
explica Pegueroles, manifestando simultaneamente as luzes e as sombras, e a
peculiaridade exclusiva, da Hermenêutica:
"1. A
verdade hermenêutica é uma verdade sem critério. Não há critério de verdade na
hermenêutica. A beleza da Nona Sinfonia de Beethoven nem se pode verificar, nem
se pode demonstrar.
"2.
Como distinguir então entre a beleza e a não beleza, entre uma grande filosofia
e uma filosofia sem valor? Há dois caminhos. Primeiro, a experiência. Somente
um homem de muita experiência artística, filosófica… (um homem formado) será
capaz de julgar com acerto. Segundo, o diálogo. Dois homens entendidos (em
arte, em filosofia) é possível que cheguem a se por de acordo na verdade.
"3. A
verdade hermenêutica é uma verdade sem erro. Na hermenêutica, o contrário da
verdade não é o erro, mas sim a não verdade. A verdade hermenêutica se dá em
uma experiência (de beleza, de valor). Ora, pois, a experiência, ou se dá, ou
não se dá. Ou há experiência, ou não há experiência. Não há experiências
falsas. A experiência é sempre verdadeira.
"Aquilo
que viu um grande filósofo é verdade, disse alguém magistralmente. Depois, o
leitor de Platão verá ou não verá essa verdade que viu Platão. Não há um Platão
falso. O pedaço de chumbo dourado que eu tomo por ouro, não é ouro falso, é não
ouro (Heidegger).
"4. A
verdade é histórica e, portanto, finita. Está condicionada pela história e
especialmente pela linguagem do leitor do texto. A hermenêutica de Gadamer
afirma ao mesmo tempo, a verdade e sua finitude. O homem não conhece a verdade
absoluta (Hegel), mas apenas seu modo de se dar desde sua situação. Ora bem,
essa finitude é uma riqueza. Os modos de dar-se de uma grande obra de arte são
infinitos. Nunca chegaremos ao termo de nossa experiência da Nona Sinfonia ou
do Dom Quixote.
"5.
[…] Lia há pouco que na hermenêutica primeiro se dá a compreensão e, depois, a
valorização do compreendido. O autor não tinha entendido nada. Essa distinção
entre compreensão e crítica ou, o que dá no mesmo, entre sentido e verdade, é
própria da ciência, não da filosofia (ou da hermenêutica, que é seu outro
nome).
"Se
compreendo Platão, me entusiasmarei com ele. Se não me diz nada é que não o
compreendi. A verdade hermenêutica somente é verdade,
se é verdade para mim. A verdade científica é verdade, ainda que para mim não
me afete (é verdade para todos). A verdade hermenêutica
somente é verdade, se me aproprio dela, se a aplico a mim.
"A
verdade hermenêutica é uma verdadeira revolução. A filosofia (e a arte) não são
uma ciência (como pretendeu a modernidade). E sua verdade é
outra verdade. Esta nova, revolucionaria verdade a descobrem, cada um por sua
conta (sempre contra a modernidade), Kierkegaard (a verdade subjetiva) e Newman
(Grammar of assent), no século
passado. E, no nosso, Heidegger e com ele Gadamer e Pareyson (cada um a seu
modo) e a nova retórica de Perelman"
[Nota 211- J. PEGUEROLES,
"La Verdad Hermenéutica en Cuatro Palavras", in Espíritu XLIV (1995),
pp. 221-222. Apud T. Melendo, op. cit., p. 93].
Roman Ingarden |
Ingarden
se interessa em saber que é a obra literária, e o que de objetivo pode se
manifestar nela. Como fenomenologista, Ingarden recusa o dilema posto na
Filosofia Moderna entre objetividade e idealismo subjetivista. Como Husserl,
ele escapa do dilema citado adotando a teoria da intencionalidade intelectiva
da Fenomenologia de Husserl. Como explica Maria Manuela Saraiva na introdução
da edição da obra citada de Ingarden em português, o ser de uma obra literária
seria puramente intencional, pois que ele não seria algo autônomo, mas
inteiramente da consciência que o cria por sua intencionalidade. A obra de arte
literária, nascida da consciência pessoal de seu autor, é reativada e interpretada
pela consciência de cada leitor dela. Portanto, toda obra de arte literária é
reinterpretada por cada leitor segundo sua consciência. Desse modo, cada
leitura teria uma interpretação válida. Nenhuma interpretação poderia ser
excluída. Nenhuma poderia ser dita falsa. Nenhuma poderia ser dita
absolutamente objetiva.
Dessas
teorias vai nascer o
conceito de obra aberta, tal como vai ser apresentado por Umberto Eco,
em 1962.
Carlos
Ceia pergunta: “Que caminho hermenêutico escolher: o sentido da obra em si
mesma ou a variedade das concretizações que a obra permite? Se a opção for
estritamente husserliana, a obra só se concretiza, só se torna obra escrita a
partir do momento em que a lemos”
(Carlos Ceia,http://www.citadel.edu/faculty/leonard/ISER.html).
Ceia
mostra ainda que um texto é uma materilaização de uma visão que o autor tem do
mundo. O texto de uma obra
resulta dos fenômenos de consciência do autor. Portanto são fruto de sua
experiência, de sua intencionalidade intelectiva que elaborará uma tomada de
cosnciência inteiramente pessoal, não objetiva.
“O
'mundo' de uma obra literária não é uma realidade objetiva, mas aquilo que em
alemão se denomina Lebenswelt, a realidade tal como é organizada e sentida por
um indivíduo. A crítica fenomenológica focaliza a maneira pela qual o autor
sente o tempo ou o espaço, ou a relação entre o eu e os outros, ou a sua
percepção dos objetos materiais." (Teoria da Literatura: Uma
Introdução, trad. de Waltensir Dutra, Martins Fontes, São Paulo, 1994, p. 64
apud Carlos Ceia,. http://www.citadel.edu/faculty/leonard/ISER.html).
Jauss (Hans Robert), seguindo Gadamer, julga que cada leitor, na leitura de uma
obra, funde seus próprios “horizontes de percepção”—suas experiências , suas
vivências--, com os do autor do texto. Haverá, segundo Jauss, uma “fusão de
horizontes’. Para Jauss,
que nesse
ponto segue Gadamer, compreender um texto significa ter compreendido a que
pergunta ele quer responder. Para Gadamer e Jauss, compreender um texto exige a fusão dos horizontes do
autor com os horizontes de recepção do leitor.( Cfr. H.R. Jauss, Pour Une Esthétique de
La Réception, Gallimard, Paris, 1978, pp. 65 -66).
Também Davi Bleich considera que
cada leitor dá uma interpretação pessoal na leitura que faz de uma obra. Todas
as leituras feitas seriam “verdadeiras”. O autor de um texto redige sua
experiência de vida. O leitor registra sua experiência de leitura.
Paul Ricoeur pensa que as obras literárias e culturais são reflexos de
visões do mundo. A diversidade de interpretações dessas obras provém das
diversas intencionalidades e dos diferentes métodos adotados para
compreendê-las.
Todas
essas teorias e doutrinas recusam a objetividade do conhecimento, caindo-se então num relativismo
completo. É o que lembra Sofia Paixã ao dizer: “Assim, em última
instância, essa outra dimensão entre os sujeitos a que se dá o nome de intersubjetividade
contribui para abalar a concepção de uma verdade objetiva, fazendo da relatividade um processo de
conhecimento, cuja utilidade provém da constante reformulação das convicções
subjetivas. No campo da literatura, deixa de fazer sentido a defesa de
uma única teoria baseada na objetivação absoluta do texto literário, pelo que a
problematização e a discussão se apresentam como os caminhos mais viáveis para
a apreensão da obra literária como um objeto eminentemente simbólico”. (Sofia
Paixão, ob cit).
A
aplicação dessas teorias da Hermenêutica moderna vai criar a atual polêmica sobre o real
significado do Vaticano II: têm os textos do Vaticano II continuidade
com o magistério do passado, ou são eles uma ruptura com a tradição da Igreja?
Bento XVI
condenou a hermenêutica de ruptura adotada pela leitura dos textos do Vaticano
II na linha do chamado “espírito do Concílio”. O atual Papa
defendeu um leitura segundo a “letra do Concílio,” numa hermenêutica de
continuidade.
Desse
modo, parece que o Papa Bento XVI aceita, pelo menos em parte, as doutrinas
hermenêuticas modernas, para as quais todas as leituras
seriam válidas. Mas, sendo assim, Bento XVI não poderia excluir como inválida a
leitura do espírito do concílio. Nem poderia afirmar que a
leitura conforme a letra dos textos do Concílio seria a verdadeira. Porque,
para a hermenêutia moderna, não há uma leitura objetivamente
verdadeira.
Logo, no exame dos textos do Vaticano II, deve-se abandonar a teoria fenomenológica da hermenêutica moderna. Como sempre se fez, dever-se-ia comparar os textos do Vaticano II com os textos do magistério tradicional, com a doutrina de sempre. Só assim se pode evitar o relativismo hermenêutico e o caos doutrinário que envolveu a Igreja depois da adoção da Fenomenologia, essa fumaça de Satanás que penetrou no templo de Deus, obnubilando o sol da verdade católica
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