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O caráter histriônico de Nero na busca do efeito belo.
Vale qualquer meio, até por fogo em Roma. |
Estranhando o mau gosto sobre coisas que de alguma forma possuem beleza pesquisei pelo conceito de Kitsch; uma forma estrangeira de falar 'Brega', e encontrei algo um tanto mais carregado de significado (além de muitas risadas).
Em suma, a afloração do Kitsch é um sinal de civilização decadente com forte desagregamento de valores onde é lícito qualquer meio a fim de se produzir um "efeito belo", tal como Nero - numa Roma decadente - ateando fogo na cidade, encenando, tocando lira e cantando1.
Pode parecer um exagero, mas de modo análogo, esse mau gosto "ateia fogo" na Verdade e na Moral a troco de uma experiência estética fácil, piegas, de efeito sentimental programado, típica de 'novos ricos' e de acordo com o 'perfil do consumidor', quem o consome pensa estar em alta cultura e posa de erudito, mas de fato está consumindo uma mentira, banalizando princípios de arte que deveriam passar pelo crivo da inteligência, juiz do belo, e da moral, juiz do bem, promovendo meros e viciosos fins comerciais no raso, mas idolátricos de fato.
A imitação do efeito de imitar e idolatria.
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Arte comemorativa do governo popular,
efeito emotivo insinuando idolatria. |
Pinguins de geladeira, anões de jardim, produção em série de imagens sacras com rostos de resina de bochechas rosadas, postais com imagens religiosas, móveis maquiados para parecerem velhos, azulejo imitando madeira, arte celebrativa de governos ditos populares, acervo de bonecos de cera, o hotel Madonna Inn, a falsidade de Las Vegas entre muitos artefatos que ninguém sabe bem ao certo seus porquês constituem um museu genérico do Kitsch.
Se a arte é a imitação do movimento da natureza, o Kitsch imita o efeito do imitar, ele busca provocar o efeito sem dar conta dos princípios, apenas excitar os sentidos. Roger Scruton em seu livro Beleza coloca o Kitsch junto com a pornografia e a violência gratuita como as três principais formas de degradação e dessacralização da arte, tal é assim que, explica Scruton, a devoção popular cai da elevação espiritual sobre verdades religiosas expressas em uma imagem sacra no abismo do sentimentalismo que configura idolatria, o Kitsch seria portanto uma doença da fé.
Segundo S. Tomás de Aquino na suma contra os Gentios (Cap.X "Como o bem é causa do mal") a arte imita de fato a natureza em seu movimento. Explicando ou parafraseando a arte, reta razão do fazer, produz uma obra que segue e explicita de certo modo os princípios, processos, meios, movimentos, carregados de símbolos inscritos na ordem da criação. Por natureza entende-se movimento com finalidade, no caso da arte será o próprio homem. A arte portanto é responsável por ensinar de modo fácil, pedagógico, ao homem simples, princípios que somente pelas criaturas são difíceis de se abstrair, o que aliás é serviço do filósofo que guia os movimentos de arte, deste modo se entende porque a arte imita a natureza em seu movimento. Se uma vanguarda artística da foco no procedimento que se finaliza na obra, ou nos princípios que se materializam naquela obra, o Kitsch irá imitar a reação que a obra provoca, o objetivo da operação kitsch é a excitação passional do fruidor e não ensinar princípios.
O Kitsch, longe de transmitir os princípios de uma vanguarda artística, trabalha com as noções de gosto de massa e seu efeito emotivo, ótimos elementos da retórica de mercado liberal (que aliás parece ser a verdadeira fonte dos princípios), diferente do trash na qual é voltado a um público de baixaria e que há sempre discurso de repulsa dos medíocres (mid-cult), a banalização dos princípios da arte de fato ocorre no kitsch que fornece arte genérica, experiência estética fácil e uma sensação de algo qualitativamente alto, em outras palavras é a incensação do consumidor.
Dessacralização, Kitschificação e Disneyficação.
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A religião é disneyficada, os anões de jardim
mostram a superficialidade na nova espiritualidade. |
Evidentemente há juízos a serem feitos das verdadeiras escolas artísticas que expressam mais ou menos a Verdade, o Bem e a Beleza conforme seus princípios e o fim último de todas as coisas que é Deus, porém neste estudo estou visando somente esse conceito alemão do Kitsch que não perdoa nem o mais cafona dos movimentos românticos.
Como dito acima a devoção religiosa expressa em augustas imagens, passando pela kitschificação, se dessacraliza em sentimentalismo tal como as inúmeras imagens de bochechinhas rosadas de lojas de presente de produtos chineses. Levando isso à noção de sagrado heterodoxa, mas de mensagem profunda, tal como os sete anões da Branca de Neve promovida pelo Walt Disney, teremos os anões de jardim que, segundo o Roger Scruton, é uma consequência dos santos dessacralizados, ou seja, a Disneyficação da arte é, antes de tudo, uma Disneyficação da fé que se estende a todas as devoções aos filmes, personagens de jogos e coisas afins.
Outros conceitos que merecem estudos sobre o mesmo tema são os que possuem os termos como Hiper-realidade, demais elementos semióticos e afins, estudos a serem considerados em outras postagens.
Alguns exemplos e vergonhas...
De experiência própria não posso citar grandes coisas, mas para quem quiser um contato fácil com os artefatos Kitsches, além do contato com seus conhecidos de mau gosto, cito visitas às lojas de presente chineses onde por exemplo se encontra curiosas engenhocas como algo que lembra um moedor de café (e era uma miniatura de plástico) que tocava musiquinha ballet... Que lindo, um moedor de café que toca musiquinha, é algo difícil de decifrar, talvez uma nostálgica lembrança da roça com a casa da tia de quarto em rosa choque.
Inauguro mesmo este subtítulo com uma hilária descrição de Umberto Eco sobre sua experiência estética no Hotel Madonna Inn em Obispo na Califórnia descrito em seu livro A História da Feiura:
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Quarto 206, "O Velho Moinho", do Hotel Madonna Inn
"pretende fornecer uma experiência 'estética' excepcional" |
"As pobres palavras de que a linguagem natural dos homens é dotada não são o suficientes para descrever o Madonna Inn(...) Digamos que Piacentini tenha ingerido, enquanto folheava um livro de Gaudí, uma dose exagerada de LSD e tenha começado a construir uma catacumba nupcial para Liza Minelli. Mas não é bem isso. Arcimbaldi construindo, digamos, a Sagrada Família para Orietta Berti. Ou ainda: Carmem Miranda que desenha uma filial da Tiffany para o motel Motta. Ainda, o Vittotiale imaginado por Fantozzi, as Cidades Invisíveis de Calvino descritas por Liala e realizadas por Eleonor Fini para a Feira da Pelúcia, a sonata em Si bemol de Chopin cantada por Claudio Villa com arranjo de Valentino Liberace e executada pela Banda do Corpo de Bombeiros de Viggiù. Mas ainda não chegamos lá. Vamos tentar descrever as latrinas. São uma imensa caverna subterrânea, entre Altamira e Postumia com coluninhas bizantinas sobre as quais se apoiam-se anjinhos barrocos em gesso. Os lavabos são grandes conchas madreperoladas, o urinol é como uma lareira escavada na rocha, mas quando o jato de urina (sinto muito, mas preciso explicar) toca o fundo, a parede da chaminé transvasa água que, em seguida, cascateia como uma descarga das Cavernas do Planeta Mongo. E no andar térreo, num quadro de chalés tiroleses e castelinhos renascentistas, uma cascata de lampadários em forma de cesto de flores, cataratas de visco coroadas por bolas opalescentes, violáceas e dispersas entre as quais se balançam bonecas vitorianas, enquanto as paredes rompem em vidraças art nouveau com as cores de Chartres e tapeçaria Regência (...) Depois vem os quartos, cerca de duzentos, cada um com uma característica diferente: por um módico preço, pode-se dispor do quarto pré-histórico, todo cavernas e estalactites, do Safari Room (todo atapetado de zebra, com a cama em forma de ídolo banto), o quarto havaiano, o California Poppy, o Old Fashioned Honeymoon, o Colina Irlandesa, o Morro dos Ventos Uivantes, o Guilherme Tell, o Tall and Short, para cônjuges de alturas discordantes, com a cama em polígono irregular o quarto com Cascata na Parede de Rocha, o Imperial, o Velho Moinho Holandês, o quarto com Efeito Carrossel." (ECO, Umberto, A História da Feiura, Ed. Record, p.396 2014, Apud. "Da periferia do Império (1976)")
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André Rieu numa lambreta tradicionalista.
O Kitsch na música erudita flácida. |
Outro exemplo dou de uma aula de música com Fernando Schilitler na Montfort onde ele mostra que o conceito de flacidez Kitsch se aplica a músicos de pretensão erudita como André Rieu. Aquele algo de diferente entre Rieu e Europa Galante ou Hespérion XXI na interpretação de Vivaldi, por exemplo, é exatamente essa consistência sobre princípios de escola artística, um explora a sensação erudita na massa, os outros buscam a consistência dos princípios de uma escola; um é flácido, tem aparência de bíceps recheado de gordura que imita músculo, o outro é músculo de verdade, consistente. Para reforçar a imagem de verdadeira erudição basta acompanhar um pouco do trabalho de pesquisa e interpretação do catalão Jordi Savall que vai às fonte das bibliotecas nacionais, entre outras, em busca do modo de pensar da época, do modo se segurar o instrumento (00:35, algo como: "o terceiro dedo que apoia as cerdas do arco é a alma da música..."), do ambiente mais próprio (ver documentário Dinastia Bórgia), do vocábulo usado em época e de sempre usar instrumentos também da época. Frases obtidas nos vídeos hyperlincados acima como a crítica de se 'executar a viola com técnica de violoncello' como má execução mostra um aguçado conhecimento de causa e remédio eficaz para a superficialidade contemporânea.
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Vanusa apela às mais profundas emoções fafadebelêmicas
no interminável, risonho e 'límpitu' Hino Nacional |
De exemplo descambante ou "esculachante" dou a vexatória interpretação do Hino de Vanusa. Muito incômodo causa o Hino Nacional e seus valores, mas há de se concordar que dentro da escola que fora elaborado é coerente aos princípios artísticos românticos, nacionalistas, liberais maçônicos e coisas afins. Incômodo de mau gosto Kitsch é a Fafá de Belém cantando emocionada para o Congresso depois de um enfadonho discurso sobre a ditadura militar. Agora Kitsch ao extremo foi ver uma tal Vanusa imitando a Fafá de Belém cantando Hino Nacional em nova letra improvisada na assembleia de agentes públicos de São Paulo, é um verdadeiro teste de nervos, a vergonha alheia extrema onde segundos duram horas e o riso brota forçoso e aflito. Deve ser uma das provas que preciso para mostrar que o sensual e o ridículo andam juntos.
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Dancinha ridícula dos sucessores dos apóstolos.
O mau gosto não tem limites... |
Lembrando a tal Fafá dá para evocar centenas de outros exemplos, em especial explicitando o que beira o sacrílego, pois a Kitschficação da fé também é ilustrada nas carismáticas e para lá de piegas manifestações diante do Sumo Pontífice, com encenações cafonas, modos efeminados, dancinhas ridículas inclusive dos bispos etc. Tudo isso pode ser muito melhor explicado pelas induções e consequências dos princípios modernistas onde a fé é igual sentimento e consciência é igual revelação, também chamada de nova teologia. Estudos a serem levantados sobre a encíclica Pascendi de S. Pio X serão publicados qualquer dia neste blog, em avançado recomendo o audio-book 'O Modernismo de Olavo de Carvalho' de Fernando Schilitler caso interesse o tema.
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Emoção paroquiana na Caipirização da fé.
A ostentação da galinha e do humilde caipira.
Disseram-me que eram 3 padres... |
Finalizo este ensaio com um triste exemplo, que faz mais estilo de crônica, de uma infeliz presença em almoço paroquial. Tomo aqui a liberdade de Scruton para forjar a expressão "Caipirização da fé", então já imagine o estilo. A tal paróquia, ha muito submersa no espírito TL, CEB e afins, tem ótima estrutura para bem estar social da sua média burguesia, arrecadações (e muita), almoço, festinha junina etc, mas péssima estrutura para espiritualidade católica e Missa Tridentina. No almoço comunitário (R$20 por prato, alias), os paroquianos tiverem de 'curtir' seus padres (me disseram que eram padres) cantando publicamente enjoadas modas de violas seculares da década de 1980 e um deles, bem com cara de Paulo Freire ou Zé Ramalho, ostentava uma galinha e a imagem de algum personagem rural que me foge a memória... Que lindo... a cara do povo... De verdade só vi a cara da decepção no povo, um parvo público interessado no bizarro e a abertura para o indiferentismo e o cinismo laicos.
Concluindo, se se Kitschfica ou Dineyfica ou Caipirifica a fé, o sacerdote, a paróquia, se o que importa é a sensação do público, o mau gosto é sacro! Vai-se a doutrina, vai-se a metafísica, vale tudo, basta fenômenos da consciência no sentir bem, o Kitsch é a escória da teologia modernista, é Roma novamente em chamas para produzir uma arte de mau gosto.
Que Deus e seus santos, firmes em princípios no firmamento eterno nos leve ao deserto, onde o mundo se cala e eles nos ensinam a profundidade de Sua doutrina para que então possamos fazer a boa arte, plena de graça e de verdade.
Salve Maria!
Mateus R. C. de Paula.
1-imagem também sugerida pelo modernista Harmann Broch, texto selecionado no livro a História da Feiura de Umberto Eco. Há referências de sua conversão ao catolicismo.
Bibliografia:
DUARTE, Rodrigo (org.), O Belo Autônomo, Ed. Autêntica
ECO, Umberto, A História da Feiura, Ed. Record, 2014
SCRUTON, Roger, Beleza, É Realizações, 2013.
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